Desperdicio em tempo de crise

O uso racional dos medicamentos pressupõe que os doentes recebam os medicamentos apropriados para as suas necessidades terapêuticas, em doses e quantidades ajustadas aos tempos de tratamento e ao mais baixo custo possível. O desperdício global com medicamentos em Portugal ascende a 21,7 por cento da quantidade de medicamentos prescrita. Cerca de metade (9,7 por cento) foi atribuído à dimensão da embalagem dispensada e o restante (10,2 por cento) a factores ligados à não adesão à terapêutica. Os dados são de um estudo realizado pela Associação Nacional Das Farmácias e revelam ainda que o custo global associado ao desperdício atingiu, em média, os 4,44 euros por medicamento. São valores preocupantes, principalmente se tivermos em conta que seria possível diminuir grande parte desse desperdício se estivessem disponíveis outros tamanhos de embalagens, uma questão que deve ser tida em conta pelos decisores nesta área, tanto mais se considerarmos que mais de metade do desperdício global (60,4 por cento) foi suportado pelo Serviço Nacional de Saúde, num custo acrescido para o Estado e que facilmente poderia ser evitado. Em 1985, durante a conferência da Organização Mundial de Saúde, que teve lugar em Nairobi, os especialistas presentes defenderam que "o uso racional dos medicamentos pressupõe que os doentes recebam os medicamentos apropriados para as suas necessidades terapêuticas, em doses e quantidades ajustadas aos tempos de tratamento e ao mais baixo custo possível". Neste contexto, a dimensão das embalagens constitui uma componente da terapêutica racional, cuja inadequação - aliada à não adesão à terapêutica - foi identificada como factor gerador de ineficiência na alocação dos recursos de saúde. É preciso ainda não esquecer que, para além do desperdício de recursos escassos, os medicamentos não utilizados podem ainda resultar num risco acrescido de diminuição da efectividade, intoxicação acidental ou contaminação ambiental. O estudo foi promovido pela Associação Nacional das Farmácias, através do seu Centro de Estudos e Avaliação em Saúde, pelo Instituto da Qualidade em Saúde e Administração Regional de Saúde do Centro e pretendeu caracterizar a dimensão do desperdício de medicamentos, no ambulatório, em Portugal, tanto em quantidade como em valor. Tratou-se de um estudo de âmbito nacional com recolha de informação através de um inquérito realizado nas farmácias e posterior seguimento telefónico. Com base nos dados recolhidos, foi implementado uma simulação que permitiu encontrar quais as dimensões de embalagens que deveriam estar disponíveis no mercado português por forma a minimizar o desperdício. É caso para dizer que, em tempo de crise, todas as formas de poupar são válidas. Assim os decisores o entendam.

Dr. Luís Matias

Fonte: FARMÁCIA SAÚDE - ANF