Dr Leonardo Coimbra
Biografia
Leonardo Coimbra nasceu em Borba de Godim, actual cidade da Lixa, concelho de
Felgueiras, a 30 de Dezembro de 1883, e faleceu no Porto, a 2 de Janeiro de 1936.
Baptizado com o nome de Leonardo José, o segundo dos oito filhos de António
Inácio Coimbra, médico, prematuramente falecido em 1901, contava Leonardo 18 anos, e de D. Bernardina Teixeira Leite Coimbra, concluiu os estudos primários em 1892 e fez os estudos secundários (1892-98), em regime de internato, no colégio de Nossa Senhora do Carmo, em Penafiel, instituição de disciplina rígida e as sustedoras, de cuja pedagogia guardaria na memória as horas dramáticas. O casarão, que se erguia em promontório rodeado de naturezas luxuriantes e frescos regatos, foi um presídio. Nessa condição o evoca numa página singular de A Alegria, a Dor e a Graça, igualmente para mostrar que as paredes, que lhe tolheram a liberdade e os anseios de brincadeira, o tornaram sonhador: «Sim, foi no colégio que aprendi a cismar.» (Coimbra, 1916: p. 91) Entre as austeridades do estudo e a vida da imaginação, deu Leonardo as primeiras provas dos seus talentos e inteligência, com excelentes resultados nas matérias científicas e humanísticas, completando o ciclo liceal aos 14 anos.
Feitos os exames finais dos preparatórios em Julho de 1898, no Liceu Central do Porto, no mês de Setembro do mesmo ano ingressava prematuramente na Universidade de Coimbra, mercê de portaria especial que o autorizou a frequentar os estudos superiores és. Matriculou-se em ciências físicas e matemáticas. A vida de estudante coimbrão, entre 1898 a 1903, não primou pelos estudos. Apesar das constantes chamadas de atenção de José António, o irmão mais velho, que ali frequentava o curso de Direito, Leonardo dedicou-se ao essencial das sebentas universitárias, o que lhe permitiu concluir apenas as disciplinas de Física, Matemática e Desenho e frequentar, na Faculdade de Direito, como voluntário, Economia Política e Direito Económico. Outros interesses o atraíram: o convívio dos condiscípulos, a deambulação por Coimbra e arredores e o gosto pela educação física. Frequentador habitual do Ginásio da Estrada da Beira, revelou-se, neste tempo, um excelente ginasta, atraindo-o as modalidades de natação, remo, esgrima, luta greco-romana e pesos e halteres. Nesta última modalidade se inscreveu como atleta amador pelo Ginásio Académico de Coimbra, em 1903, numa competição promovida, em Coimbra, pelo Real Ginásio de Lisboa, mas, por qualquer razão, não chegou a prestar as provas.
Cinco anos após o ingresso na Universidade coimbrã, decidiu-se pela carreira de oficial da Marinha e entrou na Escola Naval. Aí teve como instrutor de remo António Sérgio (n. 1883 - f. 1969), mais tarde seu adversário intelectual e político, e conheceu J. Mendes Cabeçadas (n. 1883 œ f. 1965), seu condiscípulo, futuro almirante, que esteve na origem do movimento de 28 de Maio de 1926, com quem manteria relações de amizade e a quem dedicaria o seu primeiro texto conhecido, o conto intitulado «A doida» (1905). Em 1904, promovido a aspirante, fez no navio- escola o seu primeiro cruzeiro pelo Atlântico, viagem onde padeceu enjoos sucessivos. É possível que esta experiência o tivesse levado a reavaliar a sua carreira como marinheiro, mas não é provável que tivesse sido a causa do seu abandono em 1905. O jovem aspirante deixou a Escola Naval na sequência de um protesto veemente contra a admissão sem concurso do infante D. Manuel.
O ciclo da sua vida entre 1905 e 1909 é cheio de promessas e acontecimentos: ingressou, no ano lectivo de 1905-06, na Academia Politécnica do Porto, precursora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, para frequentar as cadeiras preparatórias do Curso de Habilitação ao Magistério Secundário, concluindo-as no ano de 1908-09; em plena ditadura franquista, participou nas manifestações estudantis da Politécnica contra João Franco, que no ano lectivo de 1907-08 se deslocara ao Porto e estivera naquela instituição; em 11 de Julho de 1907, contraiu matrimónio civil com Maria Amélia, da família do poeta António Nobre e sua companheira de infância, nascendo o primeiro filho do casal a 25 de Maio de 1908; a par das suas relações de amizade, duradouras no tempo, com Jaime Cortesão, Augusto Martins, Augusto Casimiro, Teixeira de Pascoaes, entre outros, iniciou a sua actividade literária, filosófica e política; fundou e dirigiu, com Jaime Cortesão, Cláudio Basto e Álvaro Pinto, a Nova Silva, revista de que se editaram cinco números, entre 2 de Fevereiro e 10 de Abril de 1907, de teor libertário, e onde, a 2 de Fevereiro de 1907, iniciou colaboração com «O homem livre e o homem legal», artigo que, pela densidade da crítica reflexiva, justamente se deverá considerar o texto da sua estreia filosófica, o qual, na ordem cronológica, se sucede ao já citado conto «A doida», ao elogio literário e de ideias «Guerra Junqueiro» (1906) e ao encomiástico «Justiça e Liberdade!» (1906), dedicado ao malogrado pedagogo anarquista espanhol Francisco Ferrer y Guardia, que viria a ser acusado de instigar a insurreição de 1909, em Barcelona, contra a monarquia, que se saldou na sua condenação e fuzilamento a 13 de Outubro do mesmo ano. Leonardo, que publicamente sempre manifestou um alto apreço intelectual por Ferrer, pronunciou- se dias antes, a 10 de Outubro, contra a sua condenação num comício na Casa do Povo, no Porto, promovido pelo Comité Pró-Humanidade.
Aderindo ao utopismo filosófico e político do anarquismo, os ideais reformistas da sua juventude projectaram-se, em 1908, na criação, com Jaime Cortesão e Álvaro Pinto, do grupo ideológico e literário «Os amigos do A.B.C.» – transposição fonética do nome do grupo «Les amis de l‘Abaissé», de Les Miserables, de Victor
Hugo –, cujo objectivo era a ilustração do povo, e que teve expressão pública de ideias nas colunas do semanário portuense A Vida, onde Leonardo publicou diversos artigos em 1909. Não estanciou, porém, na palavra escrita nem nos ensinamentos particulares aos grupos de amigos que com que ele se reuniam em tertúlias nos cafés do Porto: no período de 1907 a 1909, Leonardo inflamou ainda com o seu verbo os comícios de propaganda anti burguesa e libertária e começou a ser conhecido pelos seus vibrantes dotes de tribuno.
Concluídos os estudos na Politécnica, mudou-se, com a esposa e o filho, na segunda metade de 1909, para Lisboa, aí residindo até 1910, período em que frequentou o Curso Superior de Letras, onde obteve brilhantes resultados, com rasgados elogios de alguns dos seus professores, como Adolfo Coelho e Joaquim
António da Silva Cordeiro. Viria a envolver-se, com Adolfo Lima, Emílio Costa, Jaime Cortesão e outros, na criação, em finais de 1909, do Grémio de Educação Racional, que, inspirado nos princípios pedagógicos de Ferrer, erguendo a bandeira do ensino racional e livre, tinha por objectivo a fundação de «escolas modernas» em Portugal.
Terminados os estudos no Curso Superior de Letras, que lhe conferiu a habilitação final para o magistério secundário, na secção de ciências, ingressou na carreira docente em 1910, nomeado professor do 8.º grupo liceal (Matemática), tendo sido colocado no Liceu da Póvoa de Varzim e no Liceu Central do Porto, mais tarde designado Rodrigues de Freitas, pelo qual optou. Pelos fins do ano lectivo de 1910- 11, o pensador trabalhou num programa de conferências sobre temas filosóficos, científicos, pedagógicos e literários que pretendia realizar no Brasil e na Argentina, mas que não veio a concretizar-se.
Designado administrador do concelho da Maia (Porto) em 1911, pouco tempo se manteve no lugar, vindo a ser nomeado, a 9 de Outubro de 1911, director do Colégio dos Órfãos, em Braga, cujo discurso de posse proferiu a 27 do mesmo mês.
Aí decidiu empreender reformas científicas e pedagógicas, mas encontrou fortes e insolúveis resistências dos docentes, demitindo-se do cargo. Abandonou a instituição a 8 de Dezembro do mesmo ano e regressou ao Porto. Sobre as razões que o levaram a demitir-se, deu entrevista a Oldemiro César, que a publicou, a 15 de Dezembro de 1911, no jornal A Montanha.
Os primeiros meses de 1912 não devem ter sido fáceis com a ausência de recursos económicos. Leonardo encontrou-se sem trabalho. Era impossível a entrada nos estabelecimentos portuenses de ensino, uma vez iniciado o ano lectivo. Repartiu a sua vida entre o Porto e a Lixa. Com Jaime Cortesão, Augusto Martins, Teixeira de Pascoaes, Raul Proença, José Teixeira Rego, António Sérgio, Mário Beirão, António Carneiro, Álvaro Pinto, entre outros, abraçou o projecto da «Renascença Portuguesa», movimento cultural, literário, artístico e filosófico, cujas primeiras bases foram lançadas em reuniões em Coimbra e Lisboa (Agosto e Setembro de 1911), oficialmente nascido em Janeiro de 1912, com sede no Porto, que teria na revista A Águia (2.ª série) o seu órgão oficial. Com os companheiros, dedicou-se também à criação da Universidade Popular do Porto, que correspondia aos anseios reformistas do grupo, aos seus ideais pedagógicos de elevação do nível cultural da sociedade, e que teria a sua sessão de abertura, com uma primeira lição, a 16 de Março de 1912, no Ateneu Comercial do Porto.
Leonardo colaborou activamente no lançamento de A Águia. Publicou, no primeiro número, «Uma fala de espíritos», texto datado de 12 de Setembro de 1911 e redigido na Lixa, pouco tempo antes de assumir a direcção do Colégio dos Órfãos, com a menção de pertencer a um livro inédito, As Falas dos Seres, que não chegou até nós ou não obteve, como o citado artigo, continuidade. Mas o facto mais relevante é o surgimento na revista, em Fevereiro de 1912, do artigo simplesmente intitulado «Excerto», igualmente redigido na Lixa, dedicado a questões epistemológicas e às geometrias não-euclideanas, que corresponde parcialmente ao capítulo III, «O Espaço», de O Criacionismo: Esboço de um Sistema Filosófico, o seu primeiro livro, que redigiu com o objectivo de apresentá-lo a um concurso para professor assistente do grupo de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Na tese laborou o pensador desde os princípios de 1912, já que em Fevereiro deu à luz o referido «Excerto», pelo que a datação de 5 de Maio a 20 de Junho de 1912, por si indicada no final de O Criacionismo, deve equivaler ao tempo intensivo da escrita.
Finalizada a tese a 20 de Junho, no dia seguinte auscultou Teixeira de Pascoaes sobre as suas conclusões. A 22 de Junho, o filho, de 4 anos, adoeceu gravemente.
Apesar do zelo dos médicos, acabaria por falecer, na Lixa, a 29 do mesmo mês, no mesmo quarto onde, em 1901, seu avô expirara nos braços de Leonardo. Luto e muita dor. O Filósofo recordar ia a nefasta semana de doença e morte do filho em 1918, na carta-prefácio à Luta pela Imortalidade, dedicada à esposa. Foi em estado de agonia que, em Julho, se apresentou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa para a defesa da tese. O lugar de assistente resolver-lhe-ia os problemas de subsistência. Porém, a fama de revolucionário que lhe vinha da juventude e a própria tese fundamente anti positivista, apresentada a uma instituição onde o positivismo era a ortodoxia dominante, informaram de preconceito o júri e contrariaram as suas pretensões. Com Joaquim António da Silva Cordeiro, o professor arguente, ainda houve da parte do examinando tentativa de diálogo, mas o antagonismo ideológico do primeiro e as posições filosóficas antípodas de ambos obrigaram o pensador nortenho a retirar-se do concurso. Do que houve de vexatório neste episódio, deu conta o próprio Leonardo no artigo «Porque abandonei o concurso», que em Janeiro de 1913 publicou em A Vida Portuguesa.
De regresso ao Porto, decidiu-se a publicar a tese, o que efectivamente aconteceu nos inícios de Agosto de 1912. Impressa na Tipografia Costa Carregal, saiu com a chancela da Renascença Portuguesa. Mas Leonardo continuava sem emprego. Os liceus portuenses Rodrigues de Freitas e Sampaio Bruno mantiveram as portas fechadas, «pela má vontade caluniosa dos reitores», lembraria o próprio Leonardo, em 1918, na carta-prefácio à Luta pela Imortalidade. Socorreu-se, então, da amizade de António dos Santos Graça (n. 1880 œ f. 1956), político republicano da Póvoa de Varzim, homem de grande influência no poder local. Foi graças à intervenção do político poveiro que Leonardo foi admitido como professor provisório, na secção de ciências físicas e naturais, ao Liceu da Póvoa de Varzim.
No ano lectivo de 1912-13, estabeleceu-se com a mulher na Póvoa, não sem antes a notícia da presença do «professor anarquista» ter perturbado a sociedade poveira, apesar de o seu anarquismo ser, nesta altura, apenas uma bandeira da juventude, realizado o trânsito que fizera para o republicanismo quando sobreveio a revolução de 1910 e a instauração da República. Com efeito, em 1912, Leonardo era já republicano, embora sem filiação partidária. No tempo em que ali leccionou (1912-14), desfez os receios dos poveiros pela actividade exemplar de professor, orador e colaborador da imprensa local (sobretudo no Comércio da Póvoa de Varzim). A sua actividade docente não se circunscreveu ao Liceu: no ano de 1913- 14, ensinou na Universidade Popular da Póvoa de Varzim, inaugurada nos fins de Dezembro de 1913, que ajudara a fundar, e na Universidade Popular do Porto.
Pela mão de Santos Graça, filiou-se, em Janeiro de 1914, no P.R.P. (Partido Republicano Português), onde, no mesmo ano, chegou a ser Presidente da Comissão Política. Possivelmente pela mesma altura entrou na Maçonaria, talvez sob os auspícios de Santos Graça, tendo sido iniciado na Loja Luz e Caridade da Póvoa de Varzim, do Grande Oriente Lusitano Unido, subordinada ao rito francês, onde adoptou o nome simbólico Kant, tendo mais tarde transitado (1919) para a
Loja Madrugada e a Loja Renascença, em Lisboa. A adesão do filósofo à Maçonaria – natural à luz do contexto político republicano da época: ela esteve na origem do P.R.P. e muitos maçons pertenciam ao partido – foi circunstancial por ser fundamentalmente política. Tal como aconteceu com outros da sua geração (Jaime Cortesão, por exemplo, aderiu em 1911, na Loja Redenção de Coimbra), Leonardo viu nela o que pragmaticamente era a sociedade maçónica: uma instituição útil para quem quisesse ingressar na vida política e na administração pública. Graças a ela, abriu-se-lhe a carreira política. Do pouco que se conhece desta filiação (o pensador a isso nunca se referiu), pode-se com certeza afirmar que a evolução de Leonardo se manteve nos graus mais inferiores do rito francês, tendo sido irradiado em 1930 por falta de pagamento de quotas, o que bem demonstra da sua parte ausência de autêntico envolvimento.
O ciclo poveiro da vida do filósofo consolidou-lhe a esperança no futuro. Na Póvoa, a 9 de Abril de 1914, nasceu-lhe o segundo filho, Leonardo Augusto. Na Póvoa rasgaram-se-lhe novas promessas. Escreveu e publicou A Morte (1913), texto da conferência, com o mesmo título, proferida no Centro Comercial do Porto, na noite de 23 de Julho de 1913, a convite da Renascença Portuguesa, inspirado pela recordação da morte do primeiro filho, e redigiu o conjunto de lições que proferiu, de Abril a Maio de 1914, na Universidade Popular do Porto, que daria origem a O Pensamento Criacionista (1915), cujos materiais lhe terão servido também para o curso na Universidade Popular da Póvoa de Varzim (concluído a 8 de Abril de 1914).
No ano lectivo de 1914-15, ensinava no Porto, no Liceu Rodrigues de Freitas, de onde rumaria para Lisboa a leccionar no Liceu Gil Vicente (1915-19). Este é também o período da Grande Guerra (1914-18), acontecimento que influenciaria a especulação do filósofo – sobre ela escrever ia, entre 1916 e 1919, páginas notáveis de vibrante significado ético e de exaltante espiritualismo cristão –, como se pode apreciar nalgumas passagens de A Luta pela Imortalidade e nos registos jornalísticos da conferência «Significado Espiritual da Guerra Europeia (Portugal na Guerra)», que proferiu, em Julho de 1918, no Centro Evolucionista (Lisboa). Estava o poder político em Portugal sob o jugo de Sidónio Pais. Quando o conferencista terminou, o Centro foi assaltado por forças policiais, aos tiros. Deste episódio resultaram dois mortos e vários feridos. Entre outros, como Gastão Correia Mendes (reitor do Liceu Gil Vicente), João Camoesas, Afonso Duarte, Raul Proença e Ângelo Ribeiro, Leonardo foi, sob ordem de prisão, escoltado, como conspirador contra o sidonismo, para os calabouços do Governo Civil. Na escrita deste período, além de O Pensamento Criacionista (1915), publicou A Alegria, a Dor e a Graça (1916) e A Luta pela Imortalidade (1918).
É no ano de 1919 que ganha relevância a sua carreira política: deputado pelo Círculo de Penafiel, assumiria, a 30 de Março, a pasta de Ministro da Instrução Pública, no 16.º governo republicano, primeiro mandato governamental de Domingos Leite Pereira e 2.º governo pós-sidonista, onde se manteria até 29 de Junho do mesmo ano, data que coincide com o fim deste governo. Do que há de mais relevante na sua actividade ministerial, criou as Escolas Primárias Superiores, reestruturou a Biblioteca Nacional, para a qual nomeou director Jaime Cortesão, o Conservatório de Música de Lisboa, que passou a designar-se Conservatório Nacional de Música, e os serviços de Instrução Primária, reorganizou o Teatro Nacional Almeida Garrett, introduziu alterações ao regulamento do Ensino Secundário, criou um curso de Fisiologia, Embriologia e Biologia Gerais na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra e um curso prático de Psicologia Experimental nas Escolas Normais do Porto e de Coimbra. Propôs ainda uma nova reforma dos estudos filosóficos liceais e universitários. O acto mais polémico do ministro, que acenderia os ânimos e se estenderia em controvérsia, foi a sua ordem de desanexação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e sua transferência para a Universidade do Porto (Decreto n.º 5.770 de 10 de Maio de 1919). O mesmo decreto criava na Universidade de Coimbra uma Faculdade Técnica e uma Escola de Belas -Artes a ela anexa.
Sobrevieram movimentos de protesto em Coimbra contra a desanexação e sessões parlamentares consecutivas que se prolongaram até finais de Julho de 1919, já Joaquim José de Oliveira sucedera a Leonardo no Ministério da Instrução Pública. O governo viria a confirmar a continuidade da Faculdade em Coimbra e a criação de uma nova Faculdade de Letras no Porto (Lei 861, de 27 de Agosto de 1919). A este contexto se deve o opúsculo A Questão Universitária, texto do principal discurso que sobre essa matéria o filósofo pronunciou na Câmara dos Deputados, impresso no mesmo ano de 1919.Extinta a polémica, entrou como professor na Faculdade de Letras do Porto em Novembro de 1919. A entrada de Leonardo Coimbra foi precedida por relatório fundamentado dos professores do 6.º grupo (ciências filosóficas) propondo a sua nomeação para o mesmo grupo. Damião Peres ocupava interinamente as funções de Director. Ao longo da sua carreira universitária, até 1931, ano do desaparecimento da Faculdade, Leonardo Coimbra, que aí leccionou História da Filosofia Moderna, Lógica e Moral, Psicologia Experimental e Psicologia Geral, faria parte de um corpo docente ilustre, que ajudou a criar : Aarão de Lacerda, Ângelo Ribeiro, Augusto Nobre, Canuto Soares, Damião Peres, Francisco Torrinha, Hernâni Cidade, Homem Cristo, Luís Cardim, Mendes Correia, Newton de Macedo, Teixeira Rego, etc.
Logo após a sua admissão como profes sor, Leonardo assumiu, em finais de Novembro de 1919, a direcção da Faculdade e nessa qualidade presidiu pela primeira vez ao Conselho Escolar na sessão de 29 de Novembro de 1919. Consagrou-se ao ensino, à instituição e à escrita. Fundou, em Abril de 1920, a Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, cujo primeiro número saiu neste ano, com um conselho de redacção composto por Leonardo, Hernâni Cidade e Mendes Correia e que contava entre os possíveis colaboradores estrangeiros com Bergson, Unamuno e G. Dumas. No primeiro volume, publicou o pensador o extenso e importante estudo «O Problema da Indução». Ainda em 1920, surgiu a segunda edição de A Alegria, a Dor e a Graça, que atingiu 3000 exemplares, tornando-se a mais famosa obra do pensador em vida deste, que conheceu também tradução para castelhano, por V. de Pedro, publicada pela Calpe, no ano seguinte. De 1921, são também as obras O Pensamento Filosófico de Antero de Quental e Adoração: Cânticos de Amor.
A 15 de Março de 1921, o Conselho Escolar da Faculdade de Letras do Porto aprovou uma visita de estudo de Leonardo Coimbra a Espanha e a França para estudos de Psicologia Experimental, de que não há informe se chegou a realizar. A 24 de Agosto de 1921, o mesmo Conselho decidia por maioria conferir-lhe o grau de Doutor em Ciências Filosóficas.
Os dois factos mais relevantes do ano lectivo de 1921-22 são a oração de sapiência sobre o estado actual do pensamento humano e a função social das universidades, que proferiu, a convite do reitor Augusto Nobre da Universidade do Porto, na abertura do ano escolar (3 de Dezembro de 1921) e a sua ida a Madrid, onde foi acolhido por José Carracido, reitor da Universidade Central de Madrid, Bonilla y San Martin, Ramón Mar ia del Valle-Inclán, García Morente e J. Ortega y Gasset. Três conferências fizeram Leonardo em Fevereiro de 1922: a primeira na Residência dos Estudantes da Universidade («A contribuição das modernas teorias científicas para uma nova concepção do Universo»); a segunda na Universidade Central de Madrid («A Lógica das Ciências»); a terceira no Ateneu de Madrid («O sentido religioso das modernas correntes literárias portuguesas»). O sucesso extraordinário da presença do filósofo em Madrid teve ecos nas imprensas madrilenas e portuguesa. Estas conferências e o texto da oração de sapiência deram origem à obra A Razão Experimental: Lógica e Metafísica, a cuja redacção se consagrou nos meses de Setembro e Outubro de 1922, e que publicaria no ano seguinte.
De 30 de Novembro de 1922 a 9 de Janeiro de 1923, Leonardo voltaria a assumir a pasta do Ministério da Instrução Pública, no 31.º governo republicano, segundo governo de António Maria da Silva, que acumularia, interinamente, com as funções de Ministro do Trabalho e da Previdência Social (de 7 de Dezembro de 1922 a 9 de Janeiro de 1923). Nesta segunda passagem pelo governo, defendeu a liberdade do ensino religioso nas escolas particulares. Obteve a oposição dos partidos e renunciou ao cargo. Regressou às suas funções de Director da Faculdade de Letras do Porto.
De 1922 a 1923, o filósofo redigiu e editou Do Amor e da Morte (1922), A Razão Experimental (1923), Guerra Junqueiro (1923) e Jesus (1923). Em 1924, defendeu no Parlamento a Faculdade de Letras do Porto, na sequência de um processo disciplinar instaurado a Homem Cristo, que motivou uma sindicância, discussões parlamentares e muito lesou a imagem pública da instituição. Incompatibilizou-se com o P.R.P. em 1925 e, em Agosto do mesmo ano, aderiu às fileiras dissidentes do partido, o M.E.D. (Movimento da Esquerda Democrática), em cujo congresso apresentou, a 26 de Abril de 1926, a tese O Problema da Educação Nacional, publicada no mesmo ano. A 17 de Junho de 1926 foi substituído por Damião Peres no cargo de Director da Faculdade de Letras do Porto. Em 1927, a Universidade do Porto recebeu o discípulo de Bergson, Jacques Chevalier, e Leonardo foi convidado a tecer-lhe o elogio, o que fez a 25 de Maio. No mesmo ano, publicou S. Francisco de Assis: Visão Franciscana da Vida e Notas sobre a Abstracção Científica e o
Silogismo.
A sua passagem do P.R.P. para o M.E.D. correspondeu ao ocaso da sua carreira política. Não conseguiu ser eleito deputado. Quando a Faculdade de Letras do Porto foi extinta pelo decreto 15.365 de 14 de Abril de 1928, Leonardo encontrava-se afastado da vida política. A Faculdade manteve-se ainda em funcionamento para as classes avançadas até ao fim do ano lectivo de 1930-31 (era director Luís Cardim).
De regresso à vida de professor no Liceu Rodrigues de Freitas, aqui se conservou Leonardo Coimbra até à morte. O seu ciclo de produção encerrou-se nos inícios da década de 30 com A Filosofia de Henri Bergson (1934) e A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre (1935). O último livro está profundamente marcado pela aproximação do seu pensamento às verdades do catolicismo.
Poucos dias depois de celebrar o seu casamento católico a 23 de Dezembro de 1935, que foi presidido pelo Pe. Francisco Rodrigues da Cruz (Padre Cruz), e de ter, no dia seguinte, baptizado o filho Leonardo Augusto, um fatídico acidente de automóvel ocorrido a 30 do mesmo mês, data do seu aniversário, na serra de Baltar, quando regressava da Lixa, levá-lo-ia ao Hospital de Santo António, no Porto. Aí faleceu no dia 2 de Janeiro de 1936. Contava 53 anos. Foi sepultado no cemitério da Lixa.
Fontes:
Com Agradecimento ao Sr. Professor Doutor Manuel Cândido Pimental
Faculdade de Ciências Humanas | Universidade Católica Portuguesa